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Campinas, São Paulo, Brazil
Rio de Janeiro em 1929. Bacharelado e Licenciatura em Matemática(PUC Rio, USP e PUCCAMP,1956).Cursos no exterior:”Advanced Topics”, Universidad Nacional de Chile,1964, “Vibrations and Waves”, Reed College, Oregon,USA,1965. Cursos no Brasil:Curso “Phywe” para professores de Física na AEC(Rio,1958), PSSCC Physics com os autores(1962).Doutorado (Física UNESP,1974) com a tese “Um Projeto Brasileiro para o Ensino de Física”,orientador Prof.J.Goldemberg, grau máximo. Ex-professor da PUCCAMP(1957-69),UNESP(1979—74),USP(visitante,197678),UNICAMP(1972-76), UFRRJ,Rio(1976,aposentado 1993). Autor dos livros: “O céu” e “As linguagens da Física” da Atica,”Com(ns)Ciência da Educação”(Papirus), “A Terra em que vivemos” da Atomo, “O que é Astronomia”da Brasiliense e “(Re)Descobrindo a Astronomia” da Atomo. Docência de cursos sobre os próprios livros em muitos países da América Latina(1974-1988), além de todas regiões do Brasil.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Marés para leigos

Durante as décadas em que tenho exercido a docência de Física, um dos temas que muitas vezes tive que explicar foi o da GRAVITAÇÃO. Dentro desse assunto um aspecto que sempre desperta grande interesse é o das MARÉS, a subida e descida periódica do nível das águas do mar.
Esse fenômeno sempre foi observado, desde a antiguidade pelos povos que viveram a beiramar ou na foz marítima de grandes rios. Também desde a antiguidade o homem percebeu que isso tinha a ver com a Lua, embora não soubesse nem como nem porque. Desde há muito tempo se percebeu que tanto na Lua-nova quanto na Lua-cheia as marés são maiores. Maiores aqui significa que o mar sobe mais na maré cheia (preamar) e desce mais na maré vazante (baixa-mar). Também poderíamos dizer que a amplitude das marés é maior naquelas duas fases (sizígias) da Lua. Também se havia percebido que as marés são menores nas fases de quarto crescente e quarto minguante(quadraturas). Mesmo conhecida (mas não entendida) há tanto tempo, a explicação clara e cabal para esse fenômeno só se tornou possível a relativamente pouco tempo.
A explicação das marés ficou clara a partir da descoberta da equação da GRAVITAÇÃO UNIVERSAL feita por Isaac Newton(1642-1727). Essa equação diz que dois corpos se atraem na razão direta de suas massas e na razão inversa do quadrado da distância que os separa. Essa foi a mais retumbante das descobertas já feita pelo gênero humano. Nenhuma outra descoberta teria tantas conseqüências e desdobramentos. Com ela ficava clara física e matematicamente a queda dos corpos, a razão por que, o Sol, a Lua, planetas são esféricos, porque a Lua e os planetas se mantêm em suas órbitas, o porque das órbitas tão excêntricas dos cometas e muitas outras coisas. Entre essas outras coisas estava também a explicação cabal para as marés. Embora essa explicação seja simples para os físicos, usando uma linguagem físico-matemática, ela não é tão simples para leigos.
Pela lei da GRAVITAÇÃO se sabe que a Terra e a Lua se atraem. Isso quer dizer que uma está puxando a outra. Nesse caso é também fácil imaginar que apareça uma saliência nas águas que envolvem a Terra para o lado da Lua. Também apareceria em qualquer massa deformável que envolvesse a Lua. Acontece que a Lua não tem essa massa deformável ao seu redor. Até aí fica fácil entender. A coisa se complica quando se tem que mostrar que também do lado oposto da Terra aparece essa saliência. Aí a explicação se torna um pouco mais complicada.
Há muitos anos, produzi um texto destinado a explicar de maneira mais simples essa questão das saliências opostas na distribuição das águas ao redor da Terra mas usando algumas figuras. Aqui tentarei sem elas. Pense na situação seguinte. Se um elevador cai em queda livre todos os objetos dentro dele começarão a flutuar, por estarem todos caindo com a mesma aceleração. Esse fato você provavelmente já viu na televisão quando se usa um avião em queda livre durante alguns instantes para treinar astronautas. Aí o objetivo é simular um ambiente de gravidade zero: um ambiente em que as pessoas “flutuam”, isto é, caem com a mesma aceleração que o avião.
A idéia é a de um elevador muito grande, em queda livre, com bolinhas de gude espalhadas em seu interior. O elevador imaginado tem que ser bem grande para que as bolinhas de um lado estejam mais próximas da Terra e por isso estejam sujeitas a uma aceleração maior que a aceleração do elevador. Este, por ser um corpo rígido terá a mesma aceleração em todos os seus pontos. Quando o elevador estiver em queda livre as bolinhas da parte inferior do elevador tenderão a se acumular na parte de baixo, por caírem com aceleração um pouco maior que a do elevador. As bolinhas da parte superior do elevador também estarão caindo mas com uma aceleração um pouco menor que a aceleração do elevador, por estarem um pouco mais distantes da Terra. Estas bolinhas tenderão a “ficar para trás” e vão se acumular na parte superior do elevador em queda livre. Vistas de dentro do elevador, as bolinhas formarão uma “maré”: as mais próximas à Terra se acumularão do lado de baixo; as mais distantes se acumularão do lado de cima. E´ importante lembrar que isso não depende da natureza das bolinhas. Se elas forem de vidro, de louça ou de aço o resultado seria o mesmo.
Esta explicação, utilizando bolinhas, me pareceu que ajudaria a desfazer um grande e muito difundido mal-entendido sobre os efeitos da Lua sobre o corpo humano. Em minhas palestras e debates, freqüentemente se levanta o assunto. E´ muito difundida a crença de que a Lua exerce uma forte influência sobre o corpo humano. Ainda hoje existe e se usa a expressão “lunático” para quem tem distúrbios psíquicos. Isso certamente tem a ver com a antiga crença de que a Lua atue sobre fluidos aquosos do nosso corpo. A argumentação para isso segue a seguinte lógica. “As marés são um efeito da Lua sobre as águas. O corpo humano é constituído, em sua maior parte por água. Logo, é mesmo de se supor que a Lua exerça influência sobre o corpo humano”. Como acabamos de ver, as “marés” do elevador foram sobre as bolinhas. Estas poderiam ser de qualquer outra natureza, com o mesmo efeito. Não se trata de um efeito sobre o material das bolinhas, mas sobre a distribuição delas no elevador. A Lua não exerce nenhuma influência sobre a água por ser água mas sim sobre a distribuição de qualquer massa fluida que envolva a Terra. E´ por essa mesma razão que a Lua provoca um efeito parecido a uma maré também na atmosfera.
Também a crosta terrestre sofre um esforço e uma deformação devido às mesmas razões.
Poderia haver, e há mesmo, influências da Lua sobre a vida na Terra. Essas outras influências entretanto nada têm a ver com o efeito “maré”. Mesmo antes que nosso ancestral conseguisse andar ereto, a Lua já condicionava a vida sobre aTerra. O luar sempre marcou a vida do homem primitivo, certamente muito mais do que o atual, iluminando suas andanças ou suas caçadas noturnas. Em quase todas as culturas, mesmo nas mais remotamente conhecidas, a Lua proporcionou a primeira medida do tempo transcorrido. O mês ou “uma lua” está presente em culturas as mais remotas e distantes entre si, sem falar na inspiração para românticos e poetas
Há também outras importantes razões para a influência da Lua sobre a vida na Terra. O luar é uma parte da luz do Sol que se reflete na superfície da Lua e chega até a Terra. Ora, é a luz do Sol que aciona os processos da Vida sobre a Terra. Durante o período de lua-cheia a Terra recebe um, pouco mais de luz do Sol na forma de luar. E´ inegável portanto que haja alguma influência da Lua sobre muita coisa na Terra. Há no entanto um verdadeiro folclore sobre grande número de “efeitos” da Lua que não têm qualquer fundamento na Ciência.
A alternância entre fluxo e refluxo das águas do mar dá também lugar a um grande número de formas de vida para as quais essa diferença é vital. Os mangues quase sempre são verdadeiros “berçários” para muitas espécies cujos nutrientes são garantidos pela movimentação e alternância das águas doce e salgada. Caranguejos, mexilhões e mariscos são apenas alguns exemplos dessa vida que é condicionada pelas marés.
A riqueza do tema acabou por nos afastar um pouco de uma das razões para grande importância prática do tema das marés. Voltemos a ele. As marés são importantes para todos aqueles que vivem à beira-mar ou na foz dos grandes rios. Para os pescadores as marés têm uma importância fundamental, tanto pelo nível como pelas correntes que elas produzem. Isso também tem influência sobre a movimentação dos cardumes. Pode-se imaginar, por exemplo, o que significa uma alteração de seis ou sete metros (baia de São Marcos,MA) no nível do mar para quem vive às suas margens. Nestes casos as marés determinam os hábitos e costumes das pessoas que vivem nas proximidades, além da vida dos peixes. Lembro-me de ter visto em Alcântara (Maranhão) os barcos chegados na maré cheia ficarem longe do mar, em cima dos barrancos, algumas horas depois. Esses mesmos barcos só poderiam sair na próxima maré cheia. Aí as marés condicionam fortemente a vida de todos que moram nesse litoral.
Existem outras situações em que o estudo das marés assume grande importância prática. Trata-se da navegação nas proximidades da costa. Quando se navega em alto mar as marés nada importam, nem são perceptíveis por falte de qualquer nível de referencia visível. Quando as embarcações se aproximam da costa no entanto é preciso compatibilizar a profundidade do lugar em que se navega com a o calado da embarcação. Calado é uma distância vertical entre o nível da água e o ponto mais baixo da embarcação. Para qualquer embarcação de algum porte o risco de bater ou raspar no fundo é tanto maior quanto maior for seu tamanho ou peso. Uma canoa bate ou esfrega no fundo sem qualquer conseqüência. Para um grande navio, simplesmente esfregar no fundo quase sempre o condena à morte. Mesmo sem dano aparente um simples apoio no fundo submete sua grande estrutura a um brutal aumento do esforço local. Por essa razão grande parte da arte da navegação consiste em jamais permitir que o fundo da embarcação toque o fundo do mar. Por essa razão todas as embarcações de algum porte levam sempre consigo uma tábua das marés. Quando próximo da costa o navegador tem que constantemente saber se a profundidade do mar naquele lugar é compatível com o calado de sua embarcação. Para isso são produzidas e publicadas as tábua das marés. No caso do Brasil essas tábuas são produzidas pela Diretoria de Hidrografia e Navegação da Marinha do Brasil. Essas tábuas relacionam todos os portos do país com todos os horários das preamares e baixamares e seus respectivos valores, para todos os dias do ano. Note bem. Publica-se um ano antes todos os horários com hora e minuto em que deverá ocorrer a preamar ou baixa-mar nos principais portos. O valor da altura, tanto da preamar quanto da baixa-mar vem expresso em metros até o decímetro. O valor dessas alturas é que o navegador acrescenta à profundidade que ele tem escrita na carta náutica. Para que essa previsão seja possível e exata são necessários muitos conhecimentos astronômicos, uma vez que os valores dependem fundamentalmente das posições do Sol e da Lua em relação à Terra. Além dos dados astronômicos existem as estações marégráficas que estudam as possíveis anomalias das marés e que estão distribuídas ao longo da costa. Você agora sabe algo mais sobre o mecanismo das marés, de sua importância para a segurança da navegação e que isso depende de muito conhecimento e trabalho de especialistas de que você jamais ouviu falar.
As marés existem e seu conhecimento é importante para o homem por muitas razões. Elas são provocadas pela atração mútua entre Terra, Lua e Sol. Elas têm efeitos importantes sobre a vida na Terra e que são conhecidos. Há no entanto um grande número de “efeitos” atribuídos à Lua que não passa de histórias parecidas a “causos” de lobisomem, mula sem cabeça e tantos outros que não tem qualquer fundamento na Ciência.

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